domingo, 19 de julho de 2009

Au naturel - Parte I + Parte II

Chego a casa, são 05h43.
Começo a tirar o casaco. Doem-me os braços. Estou cansado. Dói-me a cabeça.. Estou estafado.
Foi um longo dia. Começando cedo, há mais de vinte horas atrás.. Acabando agora, assim. Bocejo. Penso no que fiz, nos riscos que corri, no que ganhei, no que perdi.

Ganhei.
Como sempre.. Sempre que posso, digo..

Estou comigo, e sou quem mais ganha com isso.



Tiro as pesadas armaduras.. Estou ferido no peito. Pouso-as no chão, deixo que também elas se queixem. Afinal, sacrificam-se por mim. A espada ensanguentada ainda está quente. Agradeço a Thau'in a força e a mestria com que me abençoou.
Tenho um estilhaço de vidro incrustrado no ombro esquerdo. Mordo a almofada para não morder mais nada. Parece que está preso. Tremo, sinto-me a fraquejar, mas tenho que acabar de arrancar o bocado.
Já está. O ombro pinga, mas pelo menos não tem vidro. Vou buscar um pouco de pólvora. Tenho sempre um bocado para estas situações. Espalho-a por cima da cavidade onde se encontrava o vidro. Lume.

Queima, arde, passa. Dói.

Não será sempre assim a vida? Fazemos o que temos que fazer, e acabamos por sofrer, acaba por nos doer tudo. Temos todo o tempo do mundo para nós. As outras pessoas não são assim tão importantes. Não devem ser! Não podem ser. Ninguém lhes deu esse direito, de conseguir mudar o mundo que com tanto trabalho..

Pare. Escute. Olhe.

Pois, às vezes tem que ser. Há que observar. Há que saber o que nos rodeia. Há que controlar o que nos rodeia. Há que saber o ponto fraco de cada um, o ponto forte de cada um, saber como destruir, e como reparar cada pessoa à nossa volta. Só assim temos o direito de estar com elas, dominando-as.

Cala-te e pensa. De que estou a falar, perguntas. Falo de algo.. Bonito. Relações interpessoais. Mas algo tão belo, complexo e interessante como um buraco negro, o Sol ou qualquer outra coisa que saibam que se chegarem demasiado perto sem saber tudo, nunca irão conseguir regressar.

Sobrevive ou morre. Vive e deixa viver? Já não se vê.. Mata, ou morre..
Não funcionas assim? Então espero nunca te encontrar.. Se tiver que ser, eu chego primeiro ao coldre. Nunca treinei, é da prática que já tenho. Esta vida não está fácil, e ambos sabemos disso.

Levanta-te. Ninguém quer olhar para alguém que está estendido no chão porque está cheio de problemas. Os humanos atraem-nos, todos os têm. Se todos fizessem o mesmo, o mundo parava, ninguém se iria levantar. Então porquê tu? Que tens mais que os outros? Quem te conferiu esse direito? Não fui eu.

Fogo. Chamas. O som de madeira a estalar, prédios a ceder. Gritos. Nenhum deles sabe o que é. Se lhe quiserem dar um nome, que fique... O Fogo da Purificação.

Corpos queimados, chagas flamejantes, incandescentes. Eu sei quem vocês são. Mas vocês não sabem quem eu sou. Nem quero que saibam. Fiquemo-nos por aqui.

Levanto-me lentamente da cama. Tomo um duche rápido. Merda, já estou atrasado.


MFerreiro.

5 comentários:

  1. As experiências por que tens passado, aparentemente deram-te bastante força para enfrentares os teus problemas!... e para ajudar os outros a fazerem o mesmo...
    mas gostava que, apesar de sermos nós próprios em quem mais podemos confiar, assim como tu o disses-te... que não existisse uma barreira tão grande entre ti e as tuas "relações interpessoais"...
    era bom sentir que recebes algo em troca (de bom)... que não és apenas tu a dar...
    és tão descontraído e ao mesmo tempo proteges-te tanto do que te rodeia...

    (não desapareças!)

    e mais uma vez... gosto ;D
    mas sei que ainda vai chegar aquele que me vai fascinar totalmente... consegues muito mais, eu sei e tu também o sabes melhor do que qualquer um (=

    **

    ResponderEliminar
  2. encontrar-te-ás sozinho à porta do delírio,
    terás os cognomes da espera e o direito a votar,
    comprarei um passe para visitar o museu das tuas obsessões,
    saberás fazer-me voltar a horários fixos,
    tirarei notas de rodapé com pormenores complicados e referências exaustivas,
    farei esboços do teu sorriso,
    apunhalar-me-ás com ideias universais e alegres
    a caminho das coisas particulares e tristes,
    sangrarei adjectivos ao modo superlativo, formas retóricas imprecativas
    e estruturas paralelísticas,
    deixarei as veias dos cárpatos abertas até encherem a tua piscina,
    chamarás o segurança e dirás: isto não é hollywood, babe!,
    aqui ninguém se suicida com uma overdose de felicidade,
    não temos rottweilers a vigiar o sono das crias,
    nem personal shopper para tratar as depressões,
    terei o tamanho das minhas cicatrizes e as pestanas a fazer tim-tim-tim,
    terás fome de mim,
    prender-me-ás à cama como nos abraçámos às nossas ilusões,
    subirei àquele comboio chamado desejo,
    gritarás o meu nome de boca virada para a estação do prazer,
    confundir-me-ás com as outras,
    serei as outras nesse flutuar branco e veloz,
    declinar-te-ei nas conjugações do passado,
    desprezarás os volumes que imitam o contorno do meu corpo,
    arrumarás num canto do mapa as ruas que levam a nós,
    colocarás cartazes em cima dos destroços
    enquanto um néon publicitário da boticário executará o papel do ocaso.
    dois minutos antes de cair o pano, o director de som escolherá para o nosso fim
    uma banda sonora na moda.



    [Golgona Anghel]

    ResponderEliminar
  3. achei que gostarias *

    excelentes posts, tou a ficar fã :P

    Um beijinho enorme,

    MFerreiro

    ResponderEliminar
  4. tremendo.
    ja sou fã msm
    n pares tens ai uma droga altament
    e ja sabs a falta de emprego leva isto ao parlamento

    ResponderEliminar
  5. Gosto das tuas palavras.
    Em tudo descobrimos duas faces. As histórias de duas faces tem sempre uma que desgostamos e outra que aprendemos a gostar e que no limite são a mesma. Talvez a que nasça seja melhor, mas certamente será a que moldares com as tuas mãos.
    Fogo purificante é um bom nome. Das cinzas sempre renasce outro dia, que é o teu.

    Continua a dar voz às tuas palavras :)

    ResponderEliminar