sexta-feira, 17 de julho de 2009

Presente

Não faço nada.

Abro os olhos, vejo que estou atrasado. Sempre. Já devia ter feito isto há meia hora, já devia ter saído, já devia ter corrido, já devia ter chegado, já devia ter enviado um fax, já devia ter falado com duzentas pessoas, já devia ter, já devia, já devia, já, já, já, tenho que, sempre, tudo. Porra! Cala-te!
(Maldita consciência)

Vamos lá parar um pouco.

Era uma piada. Não podes, não dá para parar, há sempre alguém a correr atrás de ti, passa e dá-te um empurrão, rouba-te a mochila, os óculos, ou o telemóvel que tinhas na mão para ligar à pessoa de quem gostas. Corre. Vai atrás dele. Ele nem sequer é propriamente atlético, mas já tem um bom avanço. Dizes, a medo "Desculpe" às pessoas em quem dás encontrões. Mas isso só as ofende. Quanto menos contacto com os outros tiverem, melhor. Os empurrões? Pão nosso de cada dia, estão habituados, já não mudam de expressão, não fazem caretas de dor, nem sequer se desviam. "Desculpe"?.. O pensamento é veloz, e a frase aparece: "Eu conheço-o, para estar a falar comigo? Eu tenho cara de quem quer falar com alguém sem ser por obrigação?! Meta-se na sua vida!"

Pensa! Estavas a perseguir aquele gordo com as calças pelos joelhos, em plena Baixa Lisboeta.

Virou uma esquina. Qual? Interessa?.. (Pausa para telefonema. Não serão poucos, hoje.)

Correr. Correr. Correr. Tem que ser. Eu tenho que correr. Não dá para parar, não podes. Nunca. Fecho os olhos. "Merda, estou atrasado."

Não faço nada.


MFerreiro.

Sem comentários:

Enviar um comentário